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DA CRIMÉIA A LISBOA
A HISTÓRIA DE UM CASAMENTO
OU UMA TRAGÉDIA COROADA
POR UM ROMANCE DE AMOR
Transcrito do jornal "A ÉPOCA"- Lisboa 11/05/1923
Era em Sebástopol, nos princípios de 1918.
A Revolução bolchevista alastrava pouco a pouco através
desse misterioso império, martirizado pelas neves e pelos homens.
Uma noite, uma noite de pavor, a população acordou ao rumor
de continuas cargas de fuzilaria.A marinhagem em parceria com os
operários, tinha-se revoltado, em obediência às instruções do soviet
central. Ao outro dia a cidade estava em poder dos insurretos.
Uma esquadra inglesa fundeara no porto, a saber novidades.
E alguém da esquadra garantiu a vários oficiais superiores da guarnição de
Sebastopol que seriam abertamente coadjuvados pelos navios ingleses se
quisessem intentar qualquer movimento de resistência.
Mas 24 horas depois, a esquadra descia o Mar Negro e nunca
mais voltava...
Houve um oficial que sabendo a inutilidade de qualquer
tentativa.......preferiu continuar ao cumprimento de seus deveres
profissionais.
Era o Barão von Riesenkampf, capitão como nós diríamos, de
mar e guerra e ao mesmo tempo engenheiro de minas.
Certa noite, à 1 da madrugada, bateram-lhe à porta. Um
grupo de soldados vermelhos pedia a sua presença em determinado sítio,
para prestar declarações às autoridades soviéticas.
O Barão envergou o seu uniforme e acompanhado de seu genro,
casado havia 5 dias, e por um sobrinho, lá foi com o soldado vermelho,
atravessando ruas e ruas desertas e escuras.
Em casa onde tinha ficado a Baronesa uma senhora da mais
velha aristocracia da Criméia, e sua filha Maria, uma jovem de 17 anos,
foi uma noite de tormento, de angústia e de ansiedade.Esperaram debalde.
Ao romper o dia ainda estavam sozinhas.
Mãe e filha se dirigiram a bordo de um submarino, onde o
cunhado desta, que tinha acompanhado seu pai, era uma espécie de segundo
comandante. Souberam toda a pavorosa verdade.
Ao chegar à uma avenida dos arrebaldes, uma artéria enorme
e quase desabitada, a escolta bolchevita ordenara ao Barão que fizesse
alto e encostando-o a uma parede fuzilaram-no friamente, completando à
coronhadas, com requintes de malvadeza, a obra assassina das balas. Com
ele morrera igualmente o oficial do submarino, e o outro companheiro ainda
novo, o sobrinho, estava ferido num hospital.
Quando acabou de ouvir estas informações, a Baronesa Natale
Veronine von Riesenkampf era atacada por uma grave doença mental de que
faleceria um ano depois, no meio de grande penúria.
Restava Maria von Riesenkampf. Sem nenhum recurso, o resto
da família exilara-se como pudera, a fortuna de seus pais fora confiscada,
a sua própria residência fôra assaltada e roubada dias depois da trágica
morte do infeliz titular. Sem nenhum recurso ,pois, sozinha, aterrorizada
com as inauditas violências que se praticavam cotidianamente diante de
seus olhos, a jovem aristocrata fugiu para Constantinopla, servindo-se
para isso de um contra-torpedeiro russo, onde conhecia um oficial que se
conservava fiel as instituições imperiais.
Na capital turca, onde eram numerosíssimos os seus
compatriotas refugiados pôde Maria von Riesenkampf através de antigas
relações sociais arranjar maneira de seguir para Paris. Nesta cidade
contava ela encontrar uma sua tia, cujo paradeiro, após infrutíferas
diligências, não conseguiu saber.
No entanto a jovem baronesa russa teve a felicidade de
encontrar, entre milhares e milhares de compatriotas, a ilustre Condessa
d'Apraxinine, um dos nomes mais prestigiosos da nobreza moscovita, com
quem largo dias conviveu.
Mais tarde como as dificuldades eram cada vez maiores,
empregou-se como datilógrafa no Loyd National Bank, onde lhe perdoavam o
pouco que sabia d'aquilo, pela grande vontade que mostrava de saber, pela
sua distinção, pelo seu irrepreensível comportamento e ainda pela sua viva
inteligência e vasta ilustração.
Mas como a vida era cara em Paris, Maria von Riesenkampf
foi para Hamburgo. Demais a mais tinha nesta cidade uma família das suas
relações.
Um dia o acaso, ou para melhor dizer a Providência, que
nunca desampara os dignos servos do senhor, levou a sua nova residência,
em Hamburgo, um rapaz brasileiro, recentemente formado e filho de uma
família muito distinta e muito católica de São Paulo. E ambos
compreenderam que Deus os tinham criados um para o outro, fazendo-os
iguais na fidalguia do caráter e na disciplina dos sentimentos cristãos.
E sob a inspiração divina resolveram unir os seus destinos
e decidiram que fosse em Portugal...
Assim foi.
Na semana finda, no dia da Santa Cruz, dia da descoberta do
Brasil, uma jovem Russa, elegante e gentilíssima , era batizada
catolicamente pelo Reverendo e ilustre prior da Freguesia, Sr. Dr.
Cabrita.
E ontem, às 9:30 horas, a jovem russa, que era a Baronesa
Maria von Riezenkampf, e seu noivo Carlos Pinto Alves, contraíram o santo
sacramento do matrimônio na igreja dos Mártires, na presença do nosso
querido pároco.
É ou não, uma tragédia coroada por um romance de amor? Pois
esta curiosíssima história soube-a ainda há bem pouco, por uma agradável e
oportuna indiscrição....
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