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Carlos Pinto Alves Tristão de Ataíde Artigo escrito por Alceu Amoroso Lima - (pseud. Tristão de Ataíde) sobre a vida de Carlos Pinto Alves. Folha de São Paulo
E as folhas continuam a cair... Cada qual com seu segredo. A de agora se chamava Carlos Pinto Alves. E o seu segredo o era duplamente pois foi sempre um ser secreto por natureza. Um desses Icebergs de que só vimos emergia a ponta extrema. O essencial ficava por baixo d’água. Adivinhava-se. Presencia-se. Não se via. Era no entanto, a mais comunicativa das criaturas. O mais alheio dos corações. De uma finura, de uma delicadeza, de uma sensibilidade, autenticamente poética. Há muitos espíritos, essencialmente prosaicos, que teimam em fazer versos. E há poetas da maior autenticidade que nunca ousaram pratica-los. Ou, pelo menos, se os fizeram, guardaram-nos no fundo das gavetas, por um invencível pudor de se confessar em publico. E pelo horror da retórica e do exibicionismo. Carlos Pinto Alves pertencia a essa rara flora de poetas, sem versos, cuja seiva por isso mesmo se estendia por todos os seus gestos e palavras. “Ai dos delicados”, dizia Vauvenargues. Se assim é, muito deve ter ele sofrido em silencio. Pois viveu sempre no meio de homens práticos, de ação e de salão, na roda serpentina do capitalismo paulista, mas se mantendo absolutamente incólume ao mecanismo , à cupidez do dinheiro e a vaidade. Não por misantropia. Pelo contrário. Adorava a boa conversa. Mantinha também contatos, inclusive domésticos, com o mundo mais requintado dos artistas plásticos. E como um peixe mágico nadava em águas contraditórias, com a mesma naturalidade, sem o mínimo esforço. Exatamente porque não pertencia a nenhum dos ambientes, a nenhuma das duas águas. Seu segredo mais intimo era o de uma profunda espiritualidade religiosa, que tanto o aproxima sempre dos dominicanos. Seu acerto nativo era o da vida contemplativa. O peixe se chamava Ichtus. Nadava em todas as águas da vida mais pragmática, mais luxuosa, mais ligada aos poderosos da finança e da industria, mas como um ser absolutamente livre. E marcado pelo signo da afetividade. Falava do seu amigo Roberto Simonsen, o maior potentado da industria paulista do seu tempo, com a mesma ternura com que tratava o seu amigo dominicano frei Benevenuto, ou os seus amigos intelectuais, os Nogueira Moutinho, os Claudio Abramo, ou esse outro Roberto do peito, da mesma marca humana, Roberto de Alvim Correia. Era um requintado de espírito e, no entanto, o oposto do sofisticado. Lia “de tudo”, como diz esse povo simples que ele tanto amou, e no entanto jamais fazia alarde do seu saber. Refugiava-se na fazenda e de lá escrevia cartas aos amigos, em papel timbrado com o desenho de uma casinha tão simples e uma arvore tão copada, que eram como que símbolos de sua almas aristocrática como o talhe de sua letra; repousante e pacificador, como são as casas pequenas do provérbio romano – parca domus, magna quies; popular e cantante como as arvores, de sombra e gorjeios. Foi, como Eduardo Prado, um “gentleman farmez”, um católico de convicções profundas. Mas tão diferente dele, como a Igreja do Syllabus da Igreja da Pax in Terris. Sempre a mesma, mas... tão outra! Que saudade! Como um poeta sem versos e um contemplativo no meio da vida mais ativa, como um fidalgo meio arruinado, sempre voltado para o povo, e um homem do mundo com horror ao mundanismo; como um solitário sem misantropia e um conversador admirável, mas que sabia ouvir: como um “connaissear” em coisas de arte, mas obrigado ao suor de cada dia para ganhar a vida; como um asceta solidário, mas adorando os bate-papos: como um desencantado da política, mas comendo três meses de cadeia na “guerra de 32”: da suma, como um anjo extraviado e distraído, entre homens práticos e positivos passou realmente pela vida em branca nuvem, mas foi como alguns companheiros de sua especie, um homem livre. E a saudade que nos legou é tanto mais aguda quanto menor é o traço que os seres alados, como ele, deixam do seu vôo fugaz por entre nós.
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